Nem pertence só às sociedades antigas nem está em vias de extinção: a crescente cultura do dom – doação, obséquio, entrega – mostra um dos aspectos positivos da globalização, sublinha o chanceler da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, o bispo Marcelo Sánchez Sorondo.
O organismo pontifício celebrou nestes quatro últimos dias a sua 14ª sessão plenária sobre o tema «Buscar o bem comum: como solidariedade e subsidiaridade podem trabalhar juntas». Na presença do prelado, vários especialistas, participantes na convocação, apresentaram nesta terça-feira as linhas de suas jornadas de trabalho na Sala de Imprensa da Santa Sé.
Coordenador da sessão plenária, o professor Pierpaolo Donati – da Universidade italiana de Bolonha – explicou a importância da actuação da sociedade civil na criação de bens comuns, e exemplificou com o caso das doações, «em aumento no mundo», «tanto em dinheiro como em bens».
Pesquisador desse fenómeno como sociólogo, o professor Jacques Godbout – da Universidade de Québec (Canadá) – confirmou: «Crê-se que o dom já não existe nesta sociedade moderna, que só existe o mercado e no Estado, mas quando mais se estuda o dom na sociedade actual, mais se constata sua importância»: «é um modo fundamental de fazer circular as coisas entre nós».
Não se trata de menosprezar o papel do mercado ou do Estado, mas o dom «se mantém como uma forma fundamental da circulação das coisas ou bens porque, por sua vez, ele se transmite com uma mensagem», e por isso também é essencial para as relações entre as pessoas, aponta o professor Godbout.
Da mesma forma que é errado dizer que o dom já não existe, é impreciso afirmar que se dá «apenas em forma de filantropia», um aspecto importante, mas nele «o dom está ao serviço muitas vezes das demais formas de circulação na sociedade», declara o especialista canadense.
É o caso de quem doa dinheiro para que outros possam se integrar no mercado ou em seu papel no Estado. É importante, «mas instrumental às outras formas de circulação das coisas», explica o professor Godbout.
As formas de dom não-instrumentais são aquelas, por exemplo, nas relações de família, nos transplantes de órgãos ou na doação de sangue. Estamos diante do dom como «princípio em si – indica –, não orientado a integrar os outros sectores».
Na sessão plenária se estudaram sectores novos onde o dom também é considerado unicamente em si mesmo, como intercâmbios de bens que se produzem na Internet. E seguindo o sociólogo, constata-se que «muitas pessoas preferem passar pelo dom mais que pelo mercado».
Em seu campo de estudo e no marco da sessão plenária, o professor Godbout se fixa no aspecto relacional do dom, observando não só o doador, mas o receptor.
«O dom pode ser positivo ou negativo para o destinatário, pelo que muitas vezes é preferível optar pelo mercado ou o Estado», considera.
A Pontifícia Academia orientou estas reflexões a evidenciar novas potencialidades da sociedade e seu papel no desenvolvimento dos princípios de subsidiaridade e solidariedade.
Seu chanceler, Dom Sánchez Sorondo, assinalou o interesse que suscitam os casos citados e também fenómenos como o «micro-crédito» – em difusão actual em países desenvolvidos – ou actividades transversais em um mundo global, como a de «Médico sem Fronteira».
Como explica o prelado à Zenit, a chave nesta sessão plenária foi «procurar ler no novo fenómeno da globalização os elementos positivos que há, a realidade que existe, a generosidade que existe, o dom que existe, um modo social de solidariedade que transcende o limite das nações e da economia, e ao contrário encontra uma realidade muito mais humana, tanto na ajuda como na comunicação».
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